Jabutis em árvores (parte 4)
As fábulas são criadas e contadas para crianças com objetivo de criar valores, ideias e comportamentos em sua formação. Atos e atitudes para serem lembradas no decorrer da vida. No entanto, a cada momento da vida, podemos mudar conceitos e valores. A sociedade muda e mudam os conceitos e os valores.
Em um mundo que se preconizava a velocidade, conceitos foram implantados de forma subliminar. Na corrida entre o jabuti e a lebre, venceu quem chegou primeiro. Quem chegou depois pode ter perdido vantagens e posições. O mundo hoje é outro, e prevalecem igualdades entre as classes, de lebres e jabutis, homens e mulheres; privilegiados e não privilegiados. Crianças e adolescentes; idosos e portadores de necessidades especiais conquistam seus espaços. Conquistam suas leis de atenção e proteção.
E o jabuti lento precisa de uma carapaça para suportar aqueles que andam mais rápido, e sem noção pelas ruas. Outra fábula conta que por um tombo o jabuti quebrou seu casco, mas soube montar as partes quebradas e usar novamente. Ainda é possível juntar cacos e construir novas ideias, novas mobilidades e acessibilidades.
Tomando por exemplo a cidade de Natal/RN e seus arredores, nos preparativos da Copa. Podemos perceber vantagens oferecidas aos velozes, com ações desproporcionais aos portadores de necessidades especiais e espaciais.
Com a ideia de Copa do Mundo construíram-se mais pontes e viadutos do que passarelas para pedestres. Mais túneis para automóveis do que faixas de travessia de pedestres. Mais autopistas de alta velocidade do que sinais de transito, oferecendo oportunidades de travessia ao pedestre em avenidas de trafego intenso. Ofertaram mais espaço asfaltado ao transporte particular, muitas vezes individual, do que ao transporte coletivo.
Aumenta a população de usuários nos coletivos com o passe livre de idosos e estudantes. Enquanto se mantém a mesma frota de ônibus. Aumenta a frota de carros e aumenta a facilidade na compra de um carro, e não aumenta a oferta de assentos nos coletivos. Cidadãos inconformados em pagar uma passagem, com o aperto dos ônibus, descem e no próximo ponto (parada) e compram um carro. Pagantes devem ter prioridade em assentos não reservados. Tal como os idosos, deficientes e gestantes tem prioridade com espaço e assento reservado.
Comércios e comerciantes apropriaram-se das calçadas procurando proporcionar conforto a seus clientes motorizados, os supostos e esperados turistas. Criaram-se mais vagas de estacionamentos sobre as calçadas, do que calçadas como um espaço público para o transito de pedestres. Aumenta o número de carros diariamente sobre calçadas, diminuindo o espaço das calçadas sistematicamente.
Algumas calçadas foram remodeladas buscando mostrar uma acessibilidade com conceitos errados de mobilidade. Surge assim uma boa plataforma de obras para próximos administradores, consertar calçadas maquiadas. Terminou a Copa e os turistas se foram. Com as águas das chuvas a cidade removeu suas maquiagens.
Em Ponta Negra (Natal/RN), na principal avenida. Em frente a um shopping com produtos regionais e culturais, existe uma faixa de pedestre. No alto da via no mesmo local uma placa indicando velocidade máxima 70 Km/h. Como a faixa de segurança para pedestres está localizada em uma ligeira elevação na avenida, dificulta sua visualização pelos motoristas em ascensão na pista. Enquanto pedestres com ares de turista atravessavam, os carros se esforçavam e paravam, evitando um acidente internacional. Hoje o motorista que trafega em velocidade permitida, não respeita o pedestre na faixa, talvez por evitar uma freada brusca em poucos metros, entre o veículo e o pedestre em travessia. Exemplos de uma engenhosidade de transito, formulada por analistas e especialistas de escritório. Acreditam ver e entender a cidade de suas janelas em computadores.
A cidade ainda sofre pelos efeitos das chuvas, provocando alagamentos e inundações. Locais onde já não havia calçada suficiente, em dias de chuva, obrigam pedestres a circular pelo meio das ruas desviando de carros e poças, enquanto motoristas se acham no direito de provocar um banho de água de chuva e lama nos transeuntes. Outros motoristas bloqueiam o livre acesso entre ruas e calçadas, estacionando paralelo à guia, por vezes bloqueando rampas. Agora é preciso ser lebre para pular entre poças e carros dos jabutis com casco duro.
As reclamações sobre o transporte coletivo e a demora de espera em paradas de ônibus. Não são exclusivas de poucos ônibus circulando. Mas principalmente de investimentos no transporte motorizado e particular. As dificuldades do transito criam dificuldades para circulação não só de trabalhadores, mas principalmente de carros de policia e ambulâncias. Proporcionando atrasos no socorro e policiamento.
Administradores públicos criam mobilidade veicular em causa própria, já que possuem veículos oficiais de uso individual. E precisam de ruas e avenidas livres para esboçar suas importâncias ao desfilar para o público. Abusam de uma jactância e um poder conquistado pelas urnas. As eleições estão próximas, e os candidatos já começam andar devagar como jabutis entre os eleitores, tentando conquistar seus lugares em uma árvore.
Entre Natal e Parnamirim/RN ─ 03/08/2014
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